domingo, 4 de novembro de 2012

Educação Musical: Música na pré-escola para ouvir, cantar e tocar



Prêmio Victor Civita Educador Nota 10
 
2011 | Arte | Pré-Escola

Roberto Schkolnick

Escola

Escola Jacarandá

Cidade

São Paulo, SP

Projeto

Songbook: Adoniran Barbosa - 100 anos


O ritmo, os sons dos instrumentos musicais e as brincadeiras com a voz já eram parte das aulas de Música das crianças de 4 e 5 anos da escola. Mas o professor incluiu um novo tema nas atividades desenvolvidas com os pequenos: o centenário de nascimento de Adoniran Barbosa (1910-1982). A criançada conheceu a vida e a obra do músico, o contexto histórico do tempo em que ele viveu e, principalmente, ouviu, cantou, pintou, tocou, dançou e se divertiu com as canções. O projeto deu origem a um songbook com letras, fotos, desenhos e dados sobre a biografia do cantor.
 
 

 
 
 
 
 

Música na pré-escola para ouvir, cantar e tocar

Com composições de qualidade, Roberto Schkolnick instroduziu as crianças ao mundo da música

Beatriz Santomauro (bsantomauro@fvc.org.br). Com apuração de Marcia Scapaticio
 

Ao ouvir as músicas
de Adoniran Barbosa,
as crianças identificaram
os elementos que as
compõem,
como os
refrões e a introdução. Foto: Marina Piedade
Escuta atenta Ao ouvir as músicas de Adoniran Barbosa, as crianças identificaram os elementos que as compõem, como os refrões e a introdução.
Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10

A vitrola à esquerda foi bastante usada nas aulas de Música da Escola Jacarandá, na capital paulista. Nela tocaram discos de Adoniran Barbosa (1910-1982), artista que retratou a cidade de São Paulo numa época de crescente industrialização e imigração intensa. Agora, Samba do Arnesto, Trem das Onze, Saudosa Maloca e As Mariposa estão na ponta da língua dos pequenos da pré-escola. O responsável é o professor Roberto Schkolnick, que elaborou um projeto didático sobre o tema, realizado ao longo de sete meses. Durante as atividades, a classe tocou vários instrumentos, ouviu e cantou as músicas da época de seus avós e bisavós e aprendeu sobre o contexto em que foram compostas.


Clélia Cortez, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, ressalta o espaço dado às situações de escuta. Segundo a especialista, é mais comum nas aulas o momento de cantar do que o de ouvir prestando atenção nos detalhes das canções. Schkolnick mostrou para as crianças diversas obras do artista e escolheu trechos como "As mariposa, quando chega o frio, fica dando vorta em vorta da lâmpida pra se esquenta" e "O Arnesto nos convidou prum samba, ele mora no Brás, nóis fumo e num encontremo ninguém, nóis vortemo com uma baita de uma reiva" para serem cantados e analisados. Elas discutiram sobre palavras que não conheciam ou sobre aquelas que, para eles, nem existiam, como "encontremo" ou "reiva". Identificaram também que o "quais, quais, quais, quais" é introdução do Samba do Arnesto. "Eles me perguntavam se o Adoniran não sabia falar direito. Com isso, discutimos sobre o efeito que o cantor produziu", conta o professor.


Outra etapa planejada pelo docente foi a da criação. Os pequenos puderam gravar o que cantaram. Em seguida, ouviram a voz de todos e analisaram quais cantavam alto demais, quais não eram ouvidos e que pontos precisavam ser ajustados. A vivência com os instrumentos teve outro desdobramento. O professor propôs que eles experimentassem tocar o triângulo e representassem no papel aqueles diferentes sons. Eles se alternaram entre tocar e desenhar e o resultado foram notações muito interessantes, em que conseguiam diferenciar os sons mais curtos (com pontinhos) e longos (com tracinhos), com estilos desenvolvidos por cada criança.


"Ao ouvir um impulso sonoro, pode-se transpor o som percebido para outra linguagem", explica Clélia. "As crianças colocam no papel o que a percepção auditiva identificou, formando um primeiro tipo de registro musical." Isso é muito diferente de ensinar partituras convencionais, mas é uma maneira de fazer com que elas compreendam que o som pode ser transformado em, por exemplo, desenho. Em Música na Educação Infantil (208 págs., Ed. Peirópolis, tel. 11/ 3816-0699, 49 reais), Teca Alencar de Brito lembra que é importante considerar legítimo o modo como as crianças se relacionam com os sons e os silêncios. Só assim, de acordo com ela, a construção do conhecimento ocorre em contextos significativos, que incluam criação, elaboração de hipóteses, descobertas, questionamentos, experimentos etc. 


Os pais dos alunos foram parceiros importantes: um deles levou a vitrola e outros compartilharam discos e livros sobre o artista e sua época, reunindo um acervo completo para pesquisa. O professor deixou que a turma manuseasse os objetos, leu textos e mostrou imagens que pudessem ajudar na compreensão do contexto em que as músicas foram feitas. As crianças tiveram contato com a imigração e a industrialização de São Paulo por meio dos sambas de Adoniran e do material reunido.


No fim, as diferentes etapas do trabalho foram organizadas em um songbook - livro contendo letras das músicas, fotos e textos com a história do artista, acompanhado de um CD com a gravação das canções de Adoniran na voz das crianças.


O ensino musical ontem e hoje
O contexto em que as músicas
são criadas diz muito sobre elas.
Com as imagens, o professor mostrou
a vida na São Paulo de antigamente. Foto: Marina Piedade
Quem foi e onde viveu O contexto em que as músicas são criadas diz muito sobre elas. Com as imagens, o professor mostrou a vida na São Paulo de antigamente.


Aulas de Música como as de Schkolnick são raras (leia no quadro abaixo os erros mais comuns) e isso é um reflexo histórico. Nas últimas décadas, o espaço para esse conteúdo teve vários focos: o canto, o aprendizado de determinados instrumentos ou a escrita de partituras. Em outros momentos, ele foi deixado de lado ou ensinado sem planejamento e intencionalidade. Em 2011, ganhou destaque quando um item da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) entrou em vigor e tornou a música obrigatória na Educação Básica - embora já fizesse parte das aulas de Arte.


Para as crianças da creche e da pré-escola, esse é um dos temas essenciais a serem trabalhados, ao lado do movimento, da linguagem oral, da leitura e das artes plásticas, entre outros, conforme indica o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, documento do Governo Federal. Mas como trabalhar o conteúdo nos anos iniciais de escolaridade?


"As atividades devem ter como objetivo ampliar o contato da criança com a linguagem sonora e musical e despertar o gosto por elas", diz Schkolnick. É a chamada musicalização. As propostas devem sensibilizar para a escuta e para o reconhecimento de diversas características do som, por exemplo, quando é grave ou agudo, forte ou fraco. Outras questões importantes são identificar se a música tem refrão e qual sua introdução, de que maneira o som pode ser representado e quais os diferentes ritmos, entre tantos outros aspectos (leia no quadro abaixo o que uma boa aula dessa disciplina na Educação Infantil deve ter). Com base nesses conhecimentos, a criança desenvolverá sua capacidade de escolha, discernindo o que considera de qualidade e o que é de seu gosto.


Fazer perguntas como: "O que você está escutando agora?" e "Vocês perceberam que essas frases já foram ditas na canção?" é uma maneira de chamar a atenção da turma para elementos específicos, como o som de determinado instrumento e o refrão. "Normalmente, se escuta a música como sendo uma coisa única, um bloco só, sem perceber que são vários sons que a compõem", conta o professor.


A musicalização deve estar apoiada em três eixos: escuta ou apreciação (ouvir com atenção, observando os elementos que fazem parte da música e os efeitos produzidos por eles), prática e produção (mais do que "fazer direito" ou dentro de moldes estabelecidos, é importante experimentar o contato com instrumentos e com o canto), e contextualização (identificar em qual tempo e espaço as obras foram criadas e saber que são fruto de certas culturas). Conforme o objetivo das aulas, um ou outro podem ter peso maior - nem sempre, por exemplo, é essencial explorar o contexto de criação da música.


Esse tipo de abordagem cria uma base para um estudo mais estruturado da linguagem musical, incluindo a teoria, as técnicas e os conceitos, inclusive a alfabetização musical (a escrita das notas ou símbolos). Mesmo que isso seja feito, porém, não se deve dispensar as atividades que levam à sensibilização para a música - aliás, ela pode ser desenvolvida por toda a vida. "É importante, sempre, trabalhar melodia, harmonia, ritmo e canto. Ensinar apenas um instrumento é restritivo e faz com que se perca a visão do todo", reforça Schkolnick.


Uma boa aula de Música...

...explora o som e o silêncio

A música é um som feito com base no silêncio. O professor deve propiciar momentos para a criança refletir sobre ambos, identificar os instrumentos e dar espaço à invenção das próprias músicas.

...contextualiza o músico e sua obra


A música sempre é feita num lugar, num tempo e num espaço definidos. Tendo essas informações, a turma pode compreender melhor a obra e até estabelecer relações com sua vida.

...deixa que os alunos soltem a voz


O canto é o nosso primeiro instrumento e precisa fazer parte da rotina. O gravador é um bom recurso para analisar o que foi feito.

...permite tocar de tudo


Explorar o som com vários objetos é um modo de enriquecer o repertório. A turma deve experimentar os instrumentos espontaneamente e também em atividades dirigidas pelo educador.

...mostra como ouvir com atenção


É fundamental que as crianças ouçam, cantem e toquem músicas criadas por elas próprias e outras composições em atividades interligadas. Criar o hábito da audição é importante, pois vivemos numa sociedade totalmente visual, na qual os sons raramente aparecem dissociados das imagens.

...vai além dos sons conhecidos


Trilhas sonoras de programas infantis ou filmes podem fazer parte do cotidiano das famílias, mas a escola deve proporcionar o contato com outros tipos de canção. A intenção do professor deve ser ampliar o que a turma já sabe e ajudar a desenvolver critérios de seleção do que quer escutar.

Consultoria Berenice de Almeida, pianista e professora da Escola Municipal de Iniciação Artística, em São Paulo, autora de Encontros Musicais: Pensar e Fazer Música na Sala de Aula (304 págs., Ed. Melhoramentos, tel. 11/3874-0880, 39 reais).
 
 
Os erros mais comuns


- Usar a música para ações corriqueiras.

Cantar no momento das refeições não deve substituir o ensino dessa linguagem.

- Mostrar apenas canções infantis.

Qualquer tipo de música, desde que seja de qualidade, é bom para os pequenos.

- Reforçar o que já é conhecido.

Deve-se ampliar o repertório da classe.

- Ignorar os conhecimentos da turma.

Sabendo o que faz parte da bagagem do grupo, é possível propor atividades ligadas a ele, oferecendo informações que não seriam acessadas sem orientação.


Link original: http://revistaescola.abril.com.br/creche-pre-escola/musica-pre-escola-ouvir-cantar-tocar-677971.shtml?page=1

 
"O ser humano é musical"
Teca Alencar
de Brito. Foto: Marina Piedade
Teca Alencar de Brito, professora do curso de Licenciatura em Música da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).


Como deve ser um bom professor de Música?


TECA ALENCAR DE BRITO O ideal é que ele tenha formação musical, para que essa arte seja valorizada pelo que ela é, e conhecimento pedagógico, para que leve em conta o pensamento dos alunos. É preciso se aproximar da criança e conhecer o significado que ela atribui à música, que não é uma coisa fechada e não pode ser entendida apenas como "a escala fá, dó, ré, si". Ela deve ser vista mais amplamente, como resultado de tempos e espaços diferentes e de pessoas que escutaram e construíram suas próprias formas sonoras. Por isso, temos estilos do Ocidente e do Oriente, o clássico e o contemporâneo e também aquele que combina com as ideias de cada um. Se o professor tem esse olhar, procura construir as aulas com os alunos. Mas, se apenas diz qual o jeito certo de tocar, eles só reproduzem.


Nos últimos anos, o que mudou na maneira de os professores verem o ensino desse conteúdo?
TECA
As pessoas estão com o desejo de desenvolver um saber mais especializado. Mas os cursos de licenciatura têm um pequeno número de vagas e existem músicos (ou pessoas que querem se especializar na área) interessados em lecionar sem a devida formação. Não basta saber tocar, cantar e gostar de criança. Já recebi telefonemas de pessoas dizendo: "Você não pode me dar umas dicas porque eu vou começar a dar aula amanhã?" Para ensinar é preciso estar muito bem preparado.


Como devem ser as aulas?


TECA O professor tem de estar disposto a ousar e experimentar, sem ficar tão preocupado com um resultado predefinido. Nas escolas, falta espaço para criar e para valorizar a invenção da criança. Já vi um menino sentar no piano e, improvisando, chamar a mãe para tocar também. Mas ela disse que não sabia e ele respondeu: "Não precisa, eu já sei. Vem aqui que te ensino". Se para ele o mais importante é produzir, então todos podem tocar piano! Se esse garoto não faz música, quem a faz? Quantas vezes, no entanto, vemos as pessoas deixarem as crianças tocar livremente? Na Educação Infantil, os educadores podem inventar sonoridades e não achar que para aprender essa manifestação artística deve haver repetição.


O que fazer se a escola não possui a infraestrutura adequada para desenvolver um trabalho de qualidade nessa área?


TECA Sempre ouço essa pergunta quando mostro as experiências que temos na escola. O que respondo é que podemos entrar no jogo da invenção, construir materiais bons e explorá-los. A intenção não precisa ser construir instrumentos sofisticados, mas promover a descoberta dos sons ou do timbre produzidos quando, por exemplo, se bate numa caixa de papel. Quando a criança usa um instrumento clássico, não vai tratá-lo do jeito tradicional, e não há nenhum problema nisso. Os pequenos dão valor a coisas simples, como um papelão ondulado e um palito que juntos formam um reco-reco.
Por que a criança deve estudar Música?


TECA Porque é essencial. De modo geral, a Educação deve considerar o ser humano, o ambiente e a cultura e integrar os conhecimentos e todas as áreas. A música não deve ser colocada a serviço de outras disciplinas consideradas prioritárias porque ela é importante por si mesma, para a vida. O ser humano é musical, no decorrer da sua evolução transformou os sons de modo a criar composições. Nunca ouvimos alguém dizer que a pessoa aprende Matemática para desenvolver a capacidade musical, mas o contrário, que essa arte é importante para o raciocínio matemático ou porque estimula o processo de alfabetização. Esse não deve ser o motivo de ela estar presente. Mas um bom trabalho pode mesmo facilitar a aprendizagem de outros conteúdos, pois você apura a sua audição e desenvolve o sistema de relações entre som e silêncio.

link original: http://revistaescola.abril.com.br/creche-pre-escola/musica-pre-escola-ouvir-cantar-tocar-677971.shtml?page=2


 
 

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