quarta-feira, 1 de maio de 2013

Educação Musical: Plano de Aula - As transformações do Brasil pela música de Chico Buarque




Objetivos
- Entender as transformações da música popular no Brasil após 1964, destacando tanto o período da ditadura militar (até 1985), quanto o período posterior, marcado pela redemocratização do país.
- Apresentar a trajetória musical do compositor Chico Buarque.
- Identificar os traços marcantes da produção musical atual no Brasil.


Conteúdos
- Análise social da música de Chico Buarque na época da ditadura militar.
- Análise social da música de Chico Buarque após o fim da ditadura militar no contexto da redemocratização do país.
- Transformações da canção e da música popular no Brasil.
- Relações entre música popular, política e sociedade.


Tempo estimado
Três aulas

Materiais necessários
Cópias da reportagem "Chico versus Chico" (BRAVO!, Ed. 168, agosto de 2011) e das letras das canções "Apesar de você" e "Sonho de um Carnaval" (que podem ser encontradas emhttp://abr.io/chico) para todos os alunos; computador ou notebook; letra da canção "Rubato", do CD "Chico" que pode ser lida e ouvida em http://abr.io/chico2.

Introdução

Chico Buarque é um expoente da música popular brasileira desde meados da década de 1960. Sua produção musical é bastante variada e celebrada tanto pela crítica especializada, quanto por seus ouvintes. Durante a ditadura militar (1964-1985), suas canções ganharam notoriedade pela irreverência astuta em relação às arbitrariedades da censura e pela tenacidade com que o compositor denunciou e combateu a truculência do governo militar. Nesse sentido, sua música é considerada "engajada".

Toda essa notoriedade ainda foi reforçada pelo fato de Chico também apresentar, em muitas de suas composições, um lirismo e uma linguagem coloquial não distantes da poesia modernista. Com aguçada sensibilidade, e para além das canções de cunho político, ele cantou as nuances do amor e do desamor e manifestou uma sensibilidade especial em relação ao mundo feminino.

As características de sua produção musical fizeram de Chico um compositor querido por seu público. Essa boa relação, no entanto, parece agora ter experimentado certo abalo devido ao lançamento do álbum "Chico", que se afasta dos temas políticos, marcantes em sua trajetória.

Com base neste plano de aula e na reportagem da revista BRAVO! discuta com os alunos que mudanças na sociedade brasileira e na trajetória artística do compositor podem tê-lo levado a buscar novos rumos para as suas canções.

Desenvolvimento


1ª AULA - Música popular para falar da sociedade em diferentes épocas

Conte aos alunos que essa aula será dedicada a refletir sobre alguns períodos da história política do Brasil, com base na nossa música popular. Comece perguntando para os estudantes o que eles sabem sobre a história da música popular brasileira: quando e onde ela surgiu? Anote as opiniões no quadro e explique à turma que a música popular no Brasil tem uma história que atravessa boa parte do século 20. Observe que, até a década de 1930, a autoria das canções não era algo tão importante. Nesse período, boa parte dos nossos choros e maxixes era instrumental, cantada coletivamente e composta anonimamente.

Mostre aos alunos que essa situação mudou radicalmente com a estatização da Rádio Nacional em 1940, patrocinada por Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), e com a criação das primeiras indústrias fonográficas no país, no mesmo período. Essas mudanças estimularam o fim da criação musical anônima, já que os artistas passaram a gravar discos e a se apresentar ao vivo nas emissoras de rádio.

Foi nessa época que o samba ganhou força. Ele introduziu a noção de autoria e ajudou a consagrar a imagem do "artista popular" no Brasil. Além disso, e por influência de Getúlio Vargas, que induziu sambistas como Wilson Batista e Ataulfo Alves a escreverem sambas para o "trabalhador" e não para a "malandragem", o gênero contribuiu para promover certa integração favorável ao regime do Estado Novo, estabelecendo uma "identidade nacional", uma relação de pertencimento do cidadão à nação.

Um exemplo notório dessa influência está na canção "O Bonde São Januário", cujos versos originais diziam "O Bonde São Januário, leva mais um sócio otário, eu que não vou trabalhar" (um contexto típico da malandragem). A pedido de Getúlio, a letra foi modificada para "O Bonde São Januário, leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar", em prol da moral da família e do trabalhador (veja a letra e mostre um vídeo da canção para os alunos, disponível em http://abr.io/bonde).

Em seguida, passe a outro período da política recente de nosso país. Se Vargas influenciou as letras, mas fortaleceu o samba e os artistas populares, a ditadura militar, que começou em 1964, adotou a política de repressão a artistas e movimentos populares. Mesmo assim, muitos setores da população - além dos sindicatos e dos estudantes - começaram a exigir maior justiça social e a se mobilizar politicamente.
Questione a turma sobre a música brasileira no período da ditadura militar: eles conhecem os principais artistas desse período? É provável que os alunos digam nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Caso o nome de Chico não seja citado, indague: "e Chico Buarque?".

Distribua cópias da reportagem de BRAVO! e leia com os alunos. Conte aos jovens que Chico é filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção "A Banda", o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, um programa de grande apelo popular.

Explique também que, durante a ditadura, a MPB assumiu a tarefa de divulgar e difundir as aspirações populares, tornando-se fortemente ideologizada. Nesse contexto, passou a ser comum ouvir canções que defendiam a reforma agrária e a luta contra os privilégios sociais. Em 1969, com a crescente repressão e a instituição do Ato Institucional nº 5 (1968), que intensificou a censura e a perseguição a artistas e intelectuais, Chico Buarque se exilou na Itália e continuou a compor canções de engajamento, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e um dos mais envolvidos na luta pela democratização no Brasil.

Para exemplificar, distribua as cópias a letra da canção "Sonho de um Carnaval" para os alunos:

Sonho de um Carnaval 
(Chico Buarque)

Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano
Carnaval, desengano
Essa morena me deixou sonhando
Mão na mão, pé no chão
E hoje nem lembra não
Quarta-feira sempre desce o pano
Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade
No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança

Peça que os estudantes leiam e interpretem o significado desses versos. Aproveite as respostas dos alunos e chame a atenção para o fato de que eles remetem à ideia de povo unido e de esperança na revolução popular, simbolizada pela palavra "Carnaval". Mostre que Chico Buarque, em suas músicas de protesto, tematiza claramente os anseios políticos populares e denuncia a vida miserável do trabalhador explorado. Destaque que isso criou uma recepção positiva de suas músicas junto ao público.

Para terminar essa aula, solicite aos alunos que pesquisem na internet, no site oficialhttp://www.chicobuarque.com.br/, outras músicas do compositor elaboradas nesse período, para que verifiquem a constância das canções de engajamento durante os anos 1960 e 1970.

2ª AULA - Chico Buarque e os anos de chumbo

Para começar, peça que os alunos contem apresentem as músicas que encontraram e pergunte quais são os principais temas abordados nas canções de Chico Buarque: os temas são recorrentes? Adiante que uma das principais canções desse período será analisada nesta aula.

Antes de mostrar os vídeos e letras das composições, aprofunde a questão da censura intensa com a instituição do AI-5 (mencionado na primeira aula desta sequência). Explique que o ato dos militares, promulgado em dezembro de 1968, tinha como objetivo por fim à movimentação e à agitação política que acontecia no país. Conte aos alunos que o AI-5 impôs o chamado "estado de exceção", que suprimiu a Constituição, a vida política e os direitos individuais. Essas medidas alteraram a dinâmica da vida cultural do Brasil, instituindo uma censura brutal a todo tipo de produção artística.

Com isso, artistas e intelectuais do período tiveram que encontrar formas criativas de driblar a ação dos censores. E Chico Buarque foi mestre nisso. Por meio de metáforas e mensagens irônicas ou subentendidas, as letras de música se tornaram peças de resistência política. Ao contrário do que ocorreu no Estado Novo de Vargas, em que os laços entre cidadãos e artistas populares se deram em um contexto moralizante, estimulado pelo governo, durante o regime militar foi a luta contra a censura que uniu compositores e o povo, impedido de manifestar sua voz ativa.

Depois da explicação, apresente aos alunos um dos exemplos marcantes dessa cumplicidade entre público e compositor, presente na canção "Apesar de você":

Apesar de você

(Chico Buarque) 

Amanhã vai ser outro dia
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia

Depois da audição, proponha uma atividade: distribua cópias da letra dessa música para os estudantes, peça que leiam, analisem e debatam a composição e identifiquem as passagens e termos que servem para reforçar a cumplicidade entre autor e público.

Para estimular a turma, indague qual o significado da expressão "apesar de você" e discuta quem pode ser esse "você" na canção.

Antes de encerrar, solicite como lição de casa a elaboração de um texto dissertativo sobre as mudanças na música popular brasileira ao longo do Estado Novo e, posteriormente, no período da ditadura militar, dando ênfase ao papel combativo de compositores como Chico Buarque. Oriente os alunos a citar trechos de canções de Chico que ilustrem o engajamento do artista.

3ª AULA - O fim das ideologias e a música de Chico

Conte aos alunos que esta aula vai servir para mostrar a produção de Chico Buarque no contexto de pós-redemocratização do Brasil. Comece explicando que o fim da ditadura militar, em 1985, trouxe novas transformações para a música popular produzida por aqui.

O fim da censura e o início do processo de redemocratização fizeram com que as canções de protesto não fossem mais necessárias para a "integração do povo" e a construção de uma "identidade nacional". A partir dos anos 1980, os produtores culturais passaram a buscar nos padrões da cultura internacionalizada novos modelos para a produção cultural brasileira.

Comente também que o contexto histórico-político mudou muito, inclusive fora do Brasil. O mundo deixou de ser "bipolar" - ou seja, deixou de ter duas grandes potências mundiais com ideologias diferentes: uma capitalista (os Estados Unidos) e outra socialista (a então União Soviética). Explique à turma que, em decorrência desses acontecimentos, muitos autores afirmam que hoje conhecemos um fenômeno novo, denominado "fim das ideologias". Questione os alunos, indagando se essa afirmação não é, ela mesma, uma nova ideologia. Perguntas como: "a ideologia desapareceu ou a forma como ela se manifesta ganhou novas características?" e "afinal, a realidade social não se tornou ela mesma mais ideológica?" podem guiar esta etapa de discussão.

Relembre as composições de Chico Buarque analisadas nas últimas aulas e fale que as mudanças históricas ajudam a explicar a trajetória desse artista. Afinal, se as ideologias parecem ter se tornado difusas, e se não há mais um inimigo explícito e comum que a música possa combater, o que resta para o compositor em uma época em que a própria música popular parece não ter lugar?

Questione se o público de Chico Buarque é composto maciçamente por jovens ou se é formado pela geração que foi jovem na época da ditadura e que hoje tem mais de 40 ou 50 anos. Pergunte, também, se esse público mudou de padrão estético ou se tem um gosto estratificado, que permanece o mesmo através dos anos. As respostas são indicadores importantes de que houve uma mudança na própria natureza da música popular brasileira - os temas recorrentes, o modo de produção, a forma como os artistas se apresentam (sem a força do rádio ou dos grandes festivais de televisão e com a ascensão da internet, a produção e a distribuição musicais aparecem muito mais disseminadas pela rede).

Em seguida, insinue aos alunos que a música recente de Chico Buarque ainda pode ser considerada uma forma de resistência: não à ditadura militar, certamente, mas contra a diluição da tradição cultural do nosso país. Antes de perguntar aos alunos se eles concordam com essa afirmação, apresente a letra da canção "Rubato", do mais recente álbum do compositor, intitulado "Chico":

Rubato
(Chico Buarque/ Jorge Helder)

Aurora, eu fiz agora
Venha, Aurora, ouvir agora
A nossa música
Depressa, antes que um outro compositor
Me roube e toque e troque as notas no song book
E estrague tudo e exponha na televisão
O nosso amor
A nossa íntima canção
Os nossos segredos escancarados
Nos trinados de um ladrão
Que vai cantando sem pudor
A minha última canção
Venha, meu amor, venha ouvir, Aurora
A nossa música
Mas só se for agora
Venha ouvir sem mais demora
A nossa música
Que estou roubando de outro compositor
E já retoco os versos com maior talento
Dou um polimento e exponho na televisão
O nosso amor
A nossa íntima canção
As nossas mais tórridas confidências
Para audiências mundo afora
E vai lançar seu nome, Amora
A minha última canção
Venha, meu amor, venha ouvir, Amora
A nossa música
O nosso amor
A nossa íntima canção
Com nossos segredos, os mais picantes
Nos rompantes de um tenor
Que vai cantando com tremor
A minha última canção
Venha, meu amor, venha ouvir, Teodora
A nossa música

Para encerrar a aula, analise com a turma a letra da música, buscando identificar as passagens ou os termos que indiquem a crítica ao presente e à situação atual da própria música popular brasileira. Organize um debate final para saber o que os alunos pensam sobre a atual produção musical brasileira, fazendo a devida relação com a ideia de "fim das ideologias", trabalhada no início desta aula.

Avaliação
Observe se as dissertações apresentadas possuem elementos que demonstrem que os alunos entenderam as principais ideias expostas durante as aulas. Com base na participação dos alunos nas atividades de pesquisa e de discussão em sala, analise se sabem identificar as transformações ocorridas com a música popular; se compreenderam a questão do fim das ideologias e se conseguem relacionar os elementos da música de Chico Buarque com os contextos da ditadura e da redemocratização.

Consultoria Débora Cristina de Carvalho
Mestre e doutora em Sociologia pela Unesp-Araraquara, professora da Universidade Federal de Lavras e autora de livro didático de Sociologia.

Link Original: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/transformacoes-brasil-musica-chico-buarque-636452.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário